Após prisões no DF, 30 vítimas já denunciaram 'máfia das próteses

A Polícia Civil do Distrito Federal informou nesta segunda-feira (5) que já contabiliza 30 denúncias de pacientes que teriam sido lesados pela organização criminosa que lucrava com a prescrição de cirurgias sem necessidade. Treze supostos membros da "máfia" de órteses e próteses foram presos na última quinta (1º), em uma operação conjunta da polícia com o Ministério Público.

Uma emissora de televisão teve acesso às gravações dos diálogos entre médicos e empresários suspeitos, além de depoimentos das vítimas. Uma paciente afirmou à Polícia Civil que, durante o tratamento, os médicos chegaram a fazer cirurgias sem pedir o consentimento dela.

"Várias dessas cirurgias, eu nem fiquei sabendo. Era simplesmente assim, eu estava com quadro infeccioso na UTI ou internada. 'Olha, hoje você vai fazer tal procedimento'. E eu ia para o centro cirúrgico, fazia o procedimento cirúrgico e voltava", diz.

Nesta segunda, mais vítimas foram chamadas a prestar depoimento na Delegacia Especial de Repressão ao Crime Organizado, que comanda as investigações. Na estimativa da Polícia Civil, o grupo pode ter causado prejuízos a 60 pacientes apenas neste ano.

Escutas telefônicas obtidas pela Polícia Civil do Distrito Federal e reveladas pelo Fantásticomostram a conversa entre um médico e um fornecedor de órteses e próteses sobre como continuar "enrolando" um paciente e faturar mais. Eles são suspeitos de integrarem uma organização criminosa que lucrava com a prescrição de cirurgias sem necessidade. De acordo com a polícia, o esquema movimentou mais de R$ 30 milhões nos últimos cinco anos. As pessoas e empresas citadas negam irregularidade.

A conversa é entre o médico Juliano Almeida e Silva e o empresário Micael Bezerra Alves, um dos sócios da TM Medical, empresa que fornecia as próteses. A companhia é suspeita de oferecer materiais superfaturados, vencidos ou de baixa qualidade.

Médico: Eu estou tentando melhorar aqui, entendeu? O que mais a gente pode colocar aqui?
Fornecedor: É...
Médico: O que mais a gente pode colocar aqui? Botei bipolar, botei brill, dois drill, botei mostático, botei motorização, equipo de ligação. O que mais?
Fornecedor: Essa cânola. O que que é? Debridação?
Médico: É a canolazinha que vem no kit da assectomia. Aí é só para enrolar mesmo.

Os dois fazem parte do grupo de 13 pessoas presas na operação, que também apreendeu R$ 220 mil e US$ 90 mil. "Os áudios vão mostrando que os médicos têm um profundo envolvimento e um desejo sempre de ganhar dinheiro", disse o promotor Maurício Miranda sobre as escutas.

De acordo com as investigações, os médicos envolvidos no esquema encaminhavam os pacientes para fazer as cirurgias principalmente no hospital Home, na Asa Sul. Um dos funcionários, Antônio Márcio Catingueiro Cruz, fazia contato com um representante da fornecedora, Micael Alves. Segundo a polícia, o dinheiro pago pelos planos de saúde era dividido entre o grupo.

Após uma série de denúncias divulgadas pelo Fantástico desde janeiro de 2015, os suspeitos foram obrigados a mudar de estratégia, diz a polícia. "A partir de então, passaram a utilizar o pagamento em espécie para tentar de alguma forma evitar o rastreamento", contou o delegado que investiga o caso, Adriano Valente.

Vítimas

A estimativa é de que pelo menos 60 pessoas tenham sido vítimas do golpe só neste ano. No entanto, a polícia informa que dezenas de pessoas têm procurado as delegacias desde a última quinta-feira (1º), quando foi deflagrada a primeira fase da operação Hyde – em alusão ao médico que virou monstro na literatura e no cinema.

Uma delas é a mulher que relata quase ter morrido por causa de um fio-guia (por onde passam cateteres) deixado no pescoço dela. A polícia investiga se ela foi alvo de tentativa de homicídio. AoG1, ela tinha relatado que se sentia "usada" pelos médicos. "Não me viram como uma paciente. Não me tratavam como uma vida e sim como algo que estava gerando lucro."

Outra vítima, que perdeu os movimentos do corpo, afirma que o grupo "tem brincado com a vida das pessoas". "Isso é muito triste porque a gente não pode contar com uma pessoa que diz que se formou para poder ajudar, para poder estar ali, melhorando a vida de uma pessoa com dores ou com outros tipos de problema", lamentou. "Para mim, são monstros."

Repercussão
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho disse que, se as denúncias forem comprovadas, os médicos devem ser punidos severamente. "Essa prática de indicar procedimentos desnecessários e superfaturados expõe pacientes a risco e aumenta os custos de operação. Isso é ruim quando acontece no sistema público e também é quando ocorre no sistema privado, na medicina suplementar, pois o usuário acaba pagando um preço elevado."

O Conselho Regional de Medicina informou que vai abrir sindicância para apurar a denúncia do ponto de vista ético e profissional. Se confirmados os indícios, um processo contra os médicos envolvidos pode ser instaurado.